Você sabe como escrever uma cena de terror? Já tentou escrever alguma cena cujo intuito era assustar o público?

Tem curiosidade em escrever uma cena assim?

Talvez eu possa ajudá-lo.

Ao longo deste post, eu vou destrinchar alguns truques usados pelos roteiristas para escrever uma cena de terror.

Para isso, vou analisar roteiros de filmes de sucesso e ver o que podemos aproveitar destes exemplos.

Normalmente, uma boa cena de terror é composta por dois elementos:

1: uma tensão crescente e

2: um susto.

E por mais que estes dois elementos caminhem juntos, é mais fácil estudá-los separados.

Portanto, primeiro vamos analisar a tensão (que chamaremos de suspense) de uma cena. Em seguida, analisaremos o susto.

Depois disso, analisaremos também a junção destes dois elementos.

Vale lembrar, porém, que você não precisa sempre se utilizar destas duas etapas.

Pessoalmente, eu acho a tensão muito mais importante do que o susto.

Ainda assim, é comum vermos uma mistura destes dois elementos.

Portanto, seguindo a ordem lógica destas cenas, vamos começar analisando o suspense.

Vejamos então:

Como escrever uma cena de suspense

Em primeiro lugar, vamos estudar a construção de uma cena de suspense.

Criar suspense é bastante difícil. É preciso introduzir, no papel, toda a tensão que você quer que o pública.

Uma boa dica para isso é utilizar bem o espaço do roteiro.

Esse não é o momento de economizar as palavras.

Portanto, descreva o máximo possível da ação que acontece em cena.

Afinal, se descrevemos rapidamente uma cena, não conseguimos passar o sentimento de tensão ao leitor.

A leitura do roteiro precisa tomar mais tempo.

Digamos que eu escreva uma cena assim:

“A personagem está deitada na cama. Algo entra, se movimenta até o teto. Ela se esconde embaixo das cobertas. Quando olha para cima, o rosto está na sua frente”.

Ao ler essas linhas de descrição, você conseguiu entender exatamente o que acontece em cena.

Mas não duvido que tenha uma ideia real de como isso vai acontecer.

E essa é a chave aqui.

Vamos ver, então, como isso funciona na prática:

Exemplo #01 – O Babadook

Assista a esta cena do filme O Babadook (The Babadook, 2014), escrito e dirigido por Jennifer Kent.

Não sei se deu para perceber, mas é a mesma cena que eu tentei “resumir” acima.

Mas agora vamos ver como a diretora/roteirista escreveu essa cena:

Trecho do roteiro "O Babadook", de Jennifer Kent. Exemplo de como escrever uma cena de terror.
Trecho do roteiro “O Babadook”, de Jennifer Kent.

TRADUÇÃO

Trecho do roteiro "O Babadook", de Jennifer Kent. Exemplo de como escrever uma cena de terror.
Tradução livre

Agora vamos analisar a escrita de Kent.

Em primeiro lugar, é possível notar que ela descreve extensivamente o que vai acontecer no filme.

Ou seja, vemos aqui uma página inteira detalhando sons, sombras e o medo da protagonista.

Tudo isso serve para traduzir o sentimento que ela quer atingir com a cena.

Repare também como temos um primeiro momento de tensão seguido de um alívio (quando o cachorro entra).

Mas, em seguida, a tensão começa a crescer e não para mais.

Também é interessante notar o uso de itálico para destacar que o som está dentro do quarto.

Isso causa um estranhamento, similar ao que a personagem está sentindo.

Além disso, Kent alterna entre parágrafos curtos e longos.

Desta forma, ela consegue traduzir a passagem de tempo ao longo da cena.

A roteirista até chega a mencionar isso de maneira exagerada em certo momento.

Ela escreve que “o tempo para”, por exemplo.

Em outro momento, ela fala que “depois de uma eternidade” a personagem saiu debaixo do edredom.

Esta manipulação do tempo é essencial.

Também há menções à angústia da protagonista, que está com o “coração saindo pela boca” ou com “seus olhos tremendo”.

Tudo isso contribui para a construção da cena.

Curiosamente, a cena não terminaria com um susto.

Esta mudança veio depois. E é isso (o susto) que vamos estudar agora:

Como escrever uma cena de susto

Agora chegou a hora de entender melhor a construção da cena de susto.

Novamente é importante que a sua escrita traduza a sensação que você quer passar para o público.

E uma forma de fazer é mudando um pouco a forma da escrita. O objetivo é tornar a escrita surpreendente.

Uma maneira de fazer isso é seguindo esta ordem:

Primeiro: você descreve que um personagem levou um susto

Segundo: só depois você explica exatamente o que causou o susto

Isso vale mesmo que a ordem das informações, no filme, seja outra.

Em outras palavras: você vai escrever a cena de uma maneira um pouco diferente do convencional.

O importante é preservar a sensação do susto.

Este também é o momento de ser criativo no uso de recursos pouco convencionais.

Alterações na fonte, como o uso de negrito e itálico, são bem vindos aqui.

O importante é que o resultado passe a sensação de surpresa.

Vejamos como isso funciona na prática:

Exemplo #02 – Sobrenatural

Assista a essa cena do filme Sobrenatural (Insidious, 2010), escrito por Leigh Whannell e dirigido por James Wan.

A cena inteira é bastante assustadora, mas vou me focar apenas no susto que acontece por volta de 1:40 min.

Confira:

Se assustou? Provavelmente sim.

Essa cena se utiliza de efeitos sonoros que amplificam o susto e a fazem funcionar ainda melhor.

Mas Whannell não descreveu nenhum som no seu roteiro.

O que ele fez foi adotar um estilo de escrita que visava traduzir a sensação de estranhamento e o susto que ele imaginava para aquele momento.

Vejamos o que ele fez:

Trecho do roteiro "Sobrenatural", de Leigh Whannell. Exemplo de como escrever uma cena de terror.
Trecho do roteiro “Sobrenatural”, de Leigh Whannell

TRADUÇÃO

Trecho do roteiro "Sobrenatural", de Leigh Whannell. Exemplo de como escrever uma cena de terror.
Tradução livre

Vários elementos chamam a atenção na escrita desta cena.

Primeiramente, reparem como o roteirista destaca a palavra “grita”, colocando-a em CAIXA ALTA e sublinhada.

Isso serve para indicar o volume do grito da personagem.

Da mesma forma, é notável como Whannell primeiro mostra a personagem gritando para depois nos apresentar à fonte do seu medo.

Isso é diferente de como a cena é estruturada no filme. Porém, é uma maneira eficaz de traduzir o susto da personagem.

Do mesmo modo, é notável como ele usa itálico para descrever o monstro que a assustou.

Só o uso do itálico, destoando do resto da escrita, já causaria uma sensação diferente.

Mas, além disso, ele também usa de CAIXA ALTA e letras vermelhas quando descreve o rosto da criatura.

Ou seja, Whannell “quebra” algumas regras da escrita do roteiro para garantir que a cena no roteiro cause uma sensação similar àquela que será vista na tela.

E isso funciona muito bem!

Antes de finalizarmos, vamos ver como funciona a escrita de uma cena de tensão seguida de susto.

Como escrever uma cena de tensão e susto

Acredito que, com os exemplos citados até então, já deu para ter uma boa ideia de como escrever uma cena de terror.

Mas eu gostaria apenas de compartilhar mais um exemplo.

Neste caso, a cena que combina os dois elementos discutidos anteriormente: suspense e susto. Vejamos:

Exemplo #03 – Corrente do Mal

Assista a esta cena do filme Corrente do Mal (It Follows, 2015), escrito e dirigido por David Robert Mitchell.

Conforme você viu, apesar de ser uma cena com um susto mais “leve”, ela serve como um bom exemplo desta matemática de suspense+susto.

Veja como o diretor/roteirista escreveu a cena:

Trecho do roteiro "Corrente do Mal", escrito por David Robert Mitchell.
Trecho do roteiro “Corrente do Mal”, escrito por David Robert Mitchell.

TRADUÇÃO

Trecho do roteiro "Corrente do Mal", escrito por David Robert Mitchell.
Tradução livre

Analisando a cena, podemos observar que o roteirista consegue prender a atenção do leitor, principalmente por estender o tempo da cena.

Além disso, alguns elementos da sua escrita chamam a atenção:

Primeiramente, ele destaca a preocupação de cada personagem em cena, mostrando como cada um reage à situação.

Em seguida, ele usa itálico nas falas da protagonista, traduzindo assim a tensão que só ela sente – afinal, ela é a única que consegue ver a ameaça.

Além disso, também existe um momento de calma, quando a porta é aberta e é revelado que Yara está do outro lado.

Por fim, de uma maneira muito mais simples do que em Sobrenatural, o susto é preparado com um: “De repente -”.

Ou seja, é uma escrita simples, porém muito eficiente.

CONCLUSÃO

Em síntese, não existe uma fórmula mágica para escrever uma cena de terror.

Se você pesquisar em diversos roteiros, verá diversas formas diferentes de escrita.

O importante é traduzir, em palavras, o sentimento da cena.

Além disso, aproveite as dicas que você aprendeu aqui:

Cenas de suspense não devem economizar palavras. Descreva as ações e as reações.

Descreva a respiração, a fala pausada. O medo.

Mas nunca perca o foco.

Conforme você viu , nenhum roteirista perdeu tempo escrevendo sobre a posição dos objetos de cena, por exemplo.

Eles só escreveram aquilo que tinha relação com o personagem.

E esta é uma ótima maneira de criar tensão.

Em contrapartida, nas cenas de susto é sempre bom usar um pouquinho de criatividade.

Você pode até exagerar um pouco (como em Sobrenatural) ou ser econômico (como em Corrente do Mal).

Mas sempre entregue este elemento de surpresa que a cena precisa.

Em suma, se você seguir essas dicas tenho certeza de que vai conseguir escrever uma boa cena de terror.

Bom, por hoje é só. Espero que tenham gostado do post.

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Nos vemos na próxima e, até lá, boa escrita a todos.

P.S: Se você gostou deste post, talvez goste do post que eu fiz sobre como escrever um conversa telefônica. Confira-o aqui.