Você sabe como escrever uma cena de sonho? Já precisou escrever uma cena na qual o personagem acorda no meio da noite, somente para perceber que tudo o que ele tinha vivenciado antes era um pesadelo?

Recentemente, eu passei por essa situação enquanto escrevia um roteiro de curta-metragem. Na cena, o meu protagonista tinha um pesadelo e acordava assustado.

Mas eu logo descobri que não sabia como escrever um cena de sonho.

Então, eu pesquisei um pouco e busquei exemplos de filmes que continham cenas similares. Por fim, consegui escrever a cena de sonho. E resolvi compartilhar com vocês tudo aquilo que eu aprendi.

Para isso, preparei um texto bastante completo a respeito de como escrever uma cena de sonho. Ao longo deste post, eu vou

1- compartilhar exemplos de filmes famosos que se utilizaram deste recurso;

2- analisar as cenas e os métodos de escrita adotados pelos roteiristas; e

3- apontar as semelhanças e diferenças entre esses métodos.

Chegando ao final do post eu tenho certeza de que você está pronto para escrever a sua cena.

Antes de começarmos, porém, é importante fazer um aviso: não existe uma única técnica de escrita de cenas de sonhos.

Assim como eu mencionei nos posts sobre conversas telefônicas e cenas de terror, tudo depende daquilo que você deseja.

Então, vamos começar o nosso aprendizado sobre como escrever uma cena de sonho a partir do estudo de um exemplo:

Exemplo #01 – Scott Pilgrim Contra o Mundo

Assista a esta cena do filme Scott Pilgrim Contra o Mundo, escrito por Michael Bacall e Edgar Wright, com base na história em quadrinhos de Bryan Lee O’Malley:

Primeiramente, vejamos como os roteiristas estruturaram essa cena:

Trecho do roteiro de Scott Pilgrim Conta o Mundo. Exemplo de como escrever uma cena de sonho.
Trecho do roteiro de Scott Pilgrim Contra o Mundo, escrito por Michael Bacall e Edgar Wright

Tradução:

Tradução de um trecho do roteiro de Scott Pilgrim Conta o Mundo.
Tradução livre

Agora, vamos analisar a escrita do roteiro. Reparem como, já no cabeçalho da segunda cena, é indicado que se trata de um sonho (ao contrário das cenas anterior e posterior).

O local da cena é indicado como uma versão onírica do colégio de ensino médio. Também não é feita a identificação de que a cena se passa de dia ou de noite.

Além disso, o roteiro aponta o estranhamento que a cena deve causar. Os roteiristas indicam isso a partir do uso de “???” no final da segunda cena.

Também é notável como o uso de “…” sugere uma continuidade entre as cenas. Tal sugestão é importante, visto que cada cena acontece em um ambiente diferente.

Por fim, a terceira cena começa com o personagem saltando da cama. Ou seja, ele está acordando. Portanto, o roteiro é bastante explícito na escrita da cena de sonho.

Mas os roteiristas nem sempre são tão explícitos. As vezes eles gostam de brincar com a percepção do leitor, da mesma maneira como o filme vai brincar com a percepção do espectador.

Vejamos um exemplo disso:

Exemplo #02 – Beleza Americana

Primeiramente, assista a esta cena do filme Beleza Americana, escrito por Alan Ball:

Agora veja como o roteirista escreveu a cena:

Trecho do roteiro de Beleza Americana. Exemplo de como escrever uma cena de sonho.
Trecho do roteiro de Beleza Americana, escrito por Alan Ball

Tradução:

Tradução de um trecho do roteiro de Beleza Americana. Exemplo de como escrever uma cena de sonho.
Tradução livre

Analisando essa cena, podemos notar que a escrita dela se difere bastante da cena de Scott Pilgrim. Afinal, o tom dos filmes é completamente diferente.

Enquanto Scott Pilgrim é abertamente fantasioso, Beleza Americana mistura a fantasia com a “realidade”. E essa mistura está exposta no roteiro.

Reparem que, ao contrário do caso anterior, não há a indicação de que a cena 2 acontece no sonho. O cabeçalho da cena simplesmente aponta que a cena acontece no banheiro.

Porém, o roteirista insere alguns elementos oníricos à cena, como o fato de o ambiente estar coberto por vapor.

E os diálogos também indicam isso.

Afinal, as falas da personagem Angela claramente saíram da fantasia sexual de um homem de meia idade. Porém, nada disso é explícito.

E é justamente por não ser explícita que a cena funciona.

Assim, o corte final, no qual é revelado que Lester está se masturbando, é suficiente para entendermos todo o contexto.

O vapor, os diálogos e o absurdo daquela situação, tudo isso se junta nessa fantasia masturbatória do protagonista.

Antes de finalizarmos, vamos analisar mais um exemplo.

Exemplo #03 – A Origem

Assista a esta cena do filme A Origem (Inception, 2010), escrito e dirigido por Christopher Nolan.

Agora veja como Nolan estruturou a cena:

Nesse caso, não vou traduzir o roteiro inteiro porque acredito que não haja necessidade disso.

Porém, é válido observar que o roteirista não vê a necessidade de identificar, no cabeçalho, quais cenas acontecem nos sonhos e quais acontecem no mundo real.

Afinal, quase todo o filme se passa no mundo dos sonhos. E em um muitos casos os personagens não sabem que estão sonhando até acordarem.

Portanto, a escrita do roteiro segue essa mesma lógica, produzindo no leitor a mesma confusão que o filme provocará no público.

Um exemplo disso é a conversa de Ariadne com Cobb. Os dois são vistos num café. O roteiro simplesmente aponta o local onde a cena acontece.

Porém, ao mesmo tempo, o texto interrompe a conversa dos dois para mostrar um terceiro personagem arranjando um espaço vazio.

Só no final da sequência é que entendemos como essas duas cenas, aparentemente desconexas, se relacionam.

Ao contrário de Beleza Americana, em que vemos pequenos estranhamentos, aqui vemos consequências muito maiores, como a explosão do local onde eles estão.

Ainda assim, apesar de toda essa grandiosidade, a cena termina do mesmo jeito que as cenas de Beleza Americana e Scott Pilgrim terminaram: a personagem acorda.

Conclusão

Conforme pudemos notar, existem diferentes maneiras de se escrever uma cena de sonho.

Você pode identificar no cabeçalho da cena que se trata de um sonho.

Ou você pode inserir pequenos estranhamentos ao longo da cena, sugerindo isso.

Ou ainda, como no caso de A Origem, você pode ambientar toda a cena no que parece ser o mundo real.

Porém, existe uma constante a ser observada em todas as cenas que avaliamos: todas elas mostram os personagens acordando.

Pode parecer uma coisa simples, mas mostrar o personagem acordando é essencial para fazer o público entender que aquilo que acabou de ser mostrado é um sonho.

Portanto, se você for escrever uma cena de sonho, lembre-se de deixar claro, em algum momento, que se trata de um sonho.

Esta é a principal lição que podemos tirar daqui.

Por hoje é só. Espero que eu tenha ajudado vocês a escreverem melhor as suas cenas de sonho.

Se tiverem alguma dúvida, é só entrar em contato.

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Até a próxima. E boa escrita a todos!